Saudades tuas .

Tenho saudades tuas nas noites sem brilho. Daquelas que passo a olhar para o tecto, contemplando o doce vazio vácuo da vida obscura.
É quase como filosofar, a contagem monótona e mórbida de pedras inexistentes à minha volta. Permaneço no silêncio, questionando a minha mente se também tu o fazes, se também tu já o fizeste por mim. E nesse momento, a certeza sem razão grita alto nos meus ouvidos porém, sem voz, de que pelo mundo fora muitos outros permanecem sem dormir, na inquietude de um universo sem paralelo nem sentindo. Mas isso não é consolo, não consigo que o seja, pois em cada palavra que a minha boca seca medita, pois cada sílaba cuspida com rigidez se transforma num pensamento que acaba e começa em ti. E as imagens sucedem-se como num filme mudo de raiva e solidão, com personagens a preto e branco, que privadas da fala utilizam os olhos como expressão. É assim que me sinto, uma personagem a preto e branco tentando sobreviver num filme assassinado. Porque tudo tem de ser assim? Porque é que o amor aparece na esquina onde menos o esperamos, e nos baixa a cabeça incapaz de ler nos olhos aquilo que tem medo de admitir?
Parece irónico, mas nesta noite de Inverno caprichoso, apenas nisso consigo pensar. Apenas na adversidade, na dor, na morte, no silencio, no perpétuo vazio do ser e da alma. Apenas em ti consigo pensar e não estou certa, nem disto nem de coisa nenhuma, de que sejas tu a marca ou o brilho que cintila dentro de mim. Agora, nesta noite, apenas quero esquecer, afogar as mágoas num copo de água com sabor a amargo. Apenas quero voltar a sentir a sensação de liberdade. Contudo, estou certa que no dia, próximo ou distante, que voltares a entrar repentinamente na minha vida, os mais fortes alicerces das minhas verdades próprias estremeceram e caíram, com o simples e robusto gesto de um olhar. Parece, no entanto, que te vejo, reflectido no espelho do quarto, adormecido entre os meus pensamentos e os teus. Porque paixão é isto, e desenganasse quem não o achar, é sentir sem ver, e sonhar mesmo acordada, e querer respirar e sentir que todo o ar do mundo nos é retirado como por magia. É sufocar, mesmo sabendo que estou calmamente adormecida num sonho, do qual não quero acordar...

Saudades tuas .

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